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Mulher também é gamer?

Foto do escritor: stemparaminasstemparaminas

Autoria de Raescla Oliveira


Em 2020, durante o isolamento social, transitei por muitas telas e entre uma delas, não me recordo exatamente qual, estava uma informação interessante sobre mulheres e games no Brasil. A notícia em questão apontava que mulheres são maioria no mundo dos jogos.

Aquilo me pegou de surpresa. Sempre que eu pensava em games ou no que seria um gamer, eu associava isso a uma maioria masculina. Esse era o meu imaginário e acredito que ainda seja o de muitas pessoas.


Foi uma ótima surpresa, saber que minhas impressões não eram compatíveis com a realidade. Fiquei pensando e ainda fico refletindo uma hora ou outra sobre que repertório ou até mesmo autorização nós, mulheres, temos para nos vermos como jogadoras. O lúdico nos pertence?


Essa questão me fez lembrar de uma conversa que tive com minha irmã sobre as reuniões quase semanais de homens adultos em praças públicas para brincar de papagaio (como chamamos as pipas no Amazonas). Ela comentou que, se fossem mulheres levando bonecas para brincar na rua, isso seria encarado de forma completamente diferente. Rimos um pouco da cena improvável desenhada por suas palavras. Mas o que quero com este pequeno “causo” é refletir conjuntamente com quem me encontrar nessas linhas sobre as dinâmicas sociais que incidem na experiência das mulheres com os jogos.


Saindo das minhas vagas memórias, vamos aprofundar esse debate com algumas referências importantes. A primeira delas é a Pesquisa Game Brasil de 2024, que demonstrou que, atualmente, as mulheres representam 50,9% do público gamer brasileiro, enquanto os homens correspondem a 49,1%. Um cenário parecido com a matéria que li anos atrás. Outra fonte importante é o estudo da Reach3 Insights, que trouxe à tona que cerca de 59% das mulheres tendem a não revelar o gênero durante os jogos, em uma tentativa de não sofrer assédios. Esse dado torna praticamente translúcido um dos pesos da desigualdade de gênero no mundo dos jogos.


Longe de trazer respostas sobre a cultura misógina que impera entre os pequenos feudos masculinos virtuais, pretendo, com esse texto, propor um diálogo inicial sobre as mentiras que nos contaram sobre a presença feminina nos jogos. 

  Os dados dos parágrafos anteriores são substanciais para o texto-exercício que proponho aqui. Pensamos ser a minoria quando o assunto são jogos, pois a história destes artefatos pouco se importou sobre a nossa participação e presença no mundo. Não éramos o público-alvo desta indústria.

Apesar de adorada por boa parte de nós, a princesa Peach, da franquia Super Mario, é uma representação extremamente estereotipada e supérflua a qual meninas e mulheres tiveram que se apoiar durante muitos anos. Há também, a história popular sobre Pac-man¹ ter sido criado para aguçar o interesse das mulheres sobre os fliperamas. O ponto central do conceito seria que mulheres gostam de comer. Acredito que todos os seres dotados de estômago tendem a ter tal necessidade fisiológica.


Não restam dúvidas sobre os sucessos de ambos os jogos, não estou colocando isso em xeque. Entretanto, se filtrarmos as ideias e representações acerca de nós mulheres é totalmente previsível que em nosso imaginário não haja espaço para nos sentirmos pertencentes a este universo. 


A cultura machista da indústria quase fechou as portas para propostas inovadoras e criativas como a “Casa de Bonecas” do designer de jogos americano Will Wright, que se transformou na bem-sucedida franquia The Sims. De acordo com Price² (2014), falas como “as casas de bonecas eram para meninas e as meninas não jogavam videogame” foram disparadas contra o projeto. 

Essa percepção ultrapassou as barreiras da indústria, e não está muito distante da percepção atual de alguns homens criadores de conteúdo em redes sociais como o Instagram. Em 2024, visualizei ao menos uns 3 vídeos de influenciadores digitais diferentes que partiam de uma mesma estrutura de ridicularização das mulheres que jogam The Sims. A cena iniciava geralmente com a demonstração de um PC gamer completo, seguia para o foco na namorada do influenciador jogando The Sims e a conclusão era de que as mulheres “ignorantes e burras” estavam desperdiçando o uso daquela supermáquina. Nos comentários dos vídeos, mulheres e homens pareciam estar se divertindo e adorando a proposta. 


Do meu ponto de vista, encontrei estereótipos e “amoladores de faca”. Esse tipo de vídeo é um responsável indireto pelas diferenças de gênero nas áreas STEM. Ele não é a “faca” em si, não se trata de uma ação direta que corta mulheres dessas áreas, mas ele amola a faca da desigualdade de gênero. Ele reforça a relação do homem com os computadores, como uma posição de direito e autoridade, pois nessa concepção o homem é o sujeito autorizado ao uso da máquina. Não importando se esse uso se refere a horas em World of Warcraft 4, jogo em que o público é predominantemente masculino (20 a 30 anos).


Para interromper esses e tantos outros “amoladores de facas”³, precisamos identificá-los e nos manter questionadoras/es sobre o que estamos consumindo de conteúdo e, principalmente, sobre as verdades prontas e enlatadas que nos apresentam. Espero que essas reflexões iniciais sobre gênero e jogos digitais, que busquei compartilhar neste texto, encontrem todas as pessoas que escolhem desenhar, em cada pequena decisão, outro presente e futuro para tantas meninas e mulheres jogadoras e/ou criadoras de jogos digitais. 



Notas:

¹ Para mais informações, acesse: Tecnologia UOL e Techtudo

² PRICE, Ludovica. The Sims: A Retrospective - A Participatory Culture 14 Years On.

Intensities: The Journal of Cult Media. Londres: 2014, p. 135-140.

³ Conceito de Luis Antonio Baptista (1999), abordado em DINIS, N. F.. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência. Educar em Revista, n. 39, p. 39–50, jan. 2011.

4 CAVICHIOLLI, Fernando Renato; DE ALMEIDA REIS, Leoncio José. World of warcraft como prática de lazer: sociabilidade e conflito “em jogo” no ciberespaço. Movimento, v. 20, n. 3, p. 1083-1109, 2014.



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